Vivemos tempos difíceis. Sempre os houve, mas as ameaças que nos rondam hoje alcançaram uma magnitude de tal ordem que exigem profundas análises e ações que possam reverter o processo de destruição que atinge os sistemas vivos. O ser humano, por séculos, construiu uma história de conhecimento e progresso, especialmente na área tecnológica, onde as descobertas desde os meados do século XX avançam em progressão geométrica. A partir principalmente de Descartes – “penso, logo existo” – os humanos, com preponderância do mundo ocidentalizado, desenvolveram capacidades racionais contundentes, que estão ligadas ao hemisfério cerebral esquerdo. Com exceções, o hemisfério direito, ligado às emoções, à intuição, ao inconsciente, está sendo relegado a segundo plano, provocando desequilíbrios que se refletem no dia-a-dia das pessoas. Em trabalho monográfico de julho de 2005, relacionei 42 questões – certamente há outras – nem sempre percebidas, com as quais as sociedades são instadas a conviver e que podem contaminar o sentido da vida. Para exemplificar, citamos: lógica da acumulação – crescente onda de busca obstinada de poder e dinheiro (o novo Deus), crença no absolutismo das coisas materiais e do ter a qualquer preço (crime organizado: roubos, furtos, mortes, fraudes, subornos, corrupção, falcatruas,....); crescimento econômico inconseqüente, obsessão por números e estatísticas; dilapidação dos recursos naturais – uso e abuso intensivo do planeta, extração e redução dos materiais naturais e transformados; exacerbação do individualismo materialista, baseado em pensamento racional-utilitário. Face a isto, corroborado pela expansão demográfica e de consumo, o mundo vivo está severamente ameaçado de extinção – há estudos científicos internacionais que o comprovam – e nesse diapasão não haverá “escolhidos”, sucumbiremos todos.
Temos alternativas? Sim, porém é preciso que as busquemos obstinadamente. Em nível individual, social, municipal e global. Não é fácil, carecemos crer que a mudança de paradigmas é possível. A situação exige profunda mudança de prioridades e atitudes. Primeiramente, desconstruindo o processo histórico de disputa de poder e riqueza material em que há flagrante domínio da obsessão econômica seletiva .e insaciável. É fundamental, também, que revisemos os desequilíbrios impostos pela modernidade, percebendo que os estímulos competitivos, em que as desigualdades de toda ordem vêm a reboque, devem dar lugar à motivação de cooperar (operar junto!) e colaborar no sentido do desenvolvimento de todos, e não de alguns. Qualquer desequilíbrio precisa ser contrabalanceado para que se possa neutralizar os efeitos danosos da escolha de qualquer dos opostos. O pêndulo para apenas um dos lados é desestabilizador. É o que está acontecendo com a nossa sociedade. É preciso que estabeleçamos a integridade dos Seres Humanos, oportunizando o desenvolvimento do hemisfério direito de nosso cérebro, onde se localizam as emoções. E a cultura é justamente o instrumento que lhes dá vazão. De forma alternativa à racional, as emoções provocadas pelas vivências culturais constituem-se em espaços e tempos de conviver, apreciar, pensar, refletir, brincar e, sobretudo, viver com qualidade. Artes, Lazer e Turismo, por exemplo, dentre tantas outras práticas culturais, constituem-se em antídoto ao veneno inoculado diuturnamente pela mídia, especialmente a televisiva (invade todos os lares!), de desastres, desgraças, crimes, inseguranças que, além do estresse e passividade, provocam a insensibilidade pela constância rotineira dos fatos. Não pode ser descartada a hipótese de que muitas das causas da violência estejam localizadas cingidamente na falta de convívio e acesso aos bens culturais, incluída a Educação, a qual, particularmente em nosso país, ainda é considerada prioritária apenas nos discursos, inclusive por muitos professores preocupados apenas com aspectos informativos. Acesso cultural é fator essencial de equilíbrio que por ter essa condição deve ser público. E, por ser público, deve receber incentivos promocionais e financeiros de acordo com seu real valor. Convençamo-nos todos, em defesa da cidadania e da biologia, de que não haverá paz, nem mesmo sobrevida para ninguém, se continuarmos a privilegiar o econômico sobre o social, a razão sobre a emoção, as obras materiais sobre a concretude do conhecimento, o imediatismo sobre a perenidade das ações de herança histórica, o interesse privado sobre as demandas coletivas. Insistimos, é o equilíbrio entre os pólos positivo e o negativo que proporciona a saudável neutralidade. Cientes e conscientes do acima exposto, torna-se responsabilidade de todos nós e, incisivamente de agentes, líderes e administradores públicos e privados a adoção de medidas e políticas capazes de modificar o pernicioso quadro atual, incentivando adequadamente a promoção e os investimentos culturais. Ainda que não seja candidata em eleições, a cultura é extremamente necessária e deve obter os nossos votos de modo a ter acento definitivo dentre as prioridades sociais. É a proposta que esperamos seja aceita. Para o bem de todos.
* Artigo publicado em 17.08.2006, pág. 4, no Diário da Manhã de Pelotas, RS